Os efeitos danosos do mercúrio na saúde humana e na natureza se traduzem em uma série de violações de um feixe interligado de direitos humanos, como o direito à vida, a um meio ambiente saudável, à água e ao saneamento, à alimentação adequada, à moradia, à saúde, ao lazer, à cultura, e ao trabalho, todos os quais são amplamente reconhecidos no quadro normativo do Direito Internacional dos Direitos Humanos.
Assim como os direitos humanos são indivisíveis e interdependentes entre si, as violações dos direitos humanos também são. A exposição humana e a degradação ambiental causadas pelo lançamento de mercúrio no solo, na água e no ar são fenômenos capazes de gerar violações de direitos humanos em múltiplas dimensões de direitos, simultaneamente. Os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais, que são as categorias de direitos humanos mais conhecidas, são atingidos de forma individual ou coletiva pelos efeitos danosos do mercúrio sobre o ser humano e a natureza.
O mercúrio causa danos irreparáveis ao ser humano e ao meio ambiente como um todo. Mas existem grupos vulneráveis especialmente expostos, como povos indígenas e comunidades ribeirinhas,, garimpeiros, mulheres grávidas ou em idade fértil e crianças. Além disso, o uso do mercúrio é capaz de causar danos irreparáveis às futuras gerações não somente pelos danos capazes de causar ao feto, mas também pela difícil reparação do meio ambiente degradado.
Essa seção busca fazer uma analogia com o Inventário Nacional de Emissões e Fontes de Mercúrio que coleta dados químicos e ambientais sobre o lançamento de mercúrio no meio ambiente, recolhendo informações sobre as violações de direitos humanos causadas pela contaminação por mercúrio do solo, ar e água sobre a saúde humana e o meio ambiente em suas múltiplas e interligadas dimensões.
Todos têm o direito de viver em um ambiente não tóxico. O uso de mercúrio na mineração destrói o meio ambiente ao redor do local da mineração, contaminando a água, o ar e o solo. As comunidades ao redor dos locais de mineração não podem desfrutar de seu direito a um meio ambiente saudável, não tóxico e sustentável.
O uso de mercúrio na mineração causa efeitos adversos à saúde, especialmente para grupos vulneráveis e marginalizados, como povos indígenas, comunidades ribeirinhas, mulheres grávidas ou em idade fértil e crianças. A exposição humana ao mercúrio gera vários problemas à saúde, tais como, alterações no crescimento intelectual e físico de crianças, pressão alta, doenças cardíacas e infarto, alterações no feto e em bebês através da placenta e da amamentação, dificuldade na fala, sensação de formigamento, problemas de visão, perda de audição, perturbação dos sentidos, sensibilidade nos pés e mãos, tonturas e dores de cabeça.
O direito à saúde requer tratamento não discriminatório, sobretudo, no que diz respeito ao acesso das populações mais vulneráveis e marginalizadas de regiões remotas da Amazônia à assistência médica. Também requer o estabelecimento de programas de educação para questões relacionadas à saúde e ao meio ambiente e o monitoramento das áreas mais afetadas pela contaminação por mercúrio para a medição dos níveis de contaminação nas águas, nos peixes e nas pessoas.
Os Estados têm a obrigação de garantir água potável e alimentos seguros para seus cidadãos. O direito à saúde é um direito que inclui não apenas os cuidados de saúde oportunos e apropriados, mas também os fatores determinantes da saúde, como o acesso à água potável e saneamento básico, e fornecimento de alimentos nutritivos, adequados e seguros. O mercúrio contamina a água e os peixes da bacia amazônica.
O uso de mercúrio contamina a alimentação básica da população quando é eliminado e manuseado de forma inadequada. Na região amazônica o direito à alimentação saudável é inegavelmente violado visto que o peixe que é a principal fonte de proteína das comunidades ribeirinhas e dos povos tradicionais acaba contaminado.
Esse processo de contaminação acontece quando o mercúrio é despejado na água e se misturam com sedimentos do leito dos rios, contaminando então algas e plantas, e consequentemente toda a cadeia alimentar. Assim, o mercúrio atravessa a cadeia alimentar através dos peixes que se alimentam dessas algas e dos peixes que se alimentam de peixes que se alimentam dessas algas. O mercúrio passa então a ser absorvido pelo corpo humano e se acumular a cada vez que se come peixes contaminados. O consumo desses peixes contaminados expõe a saúde humana a sérios riscos, que foram anteriormente mencionados no item sobre a violação do direito à saúde.
Além disso, é obrigação dos Estados buscar soluções e alternativas ao uso do mercúrio e assim evitar que fontes primárias da alimentação da população sejam contaminadas tornando-as impróprias para o consumo, impedindo que o direito de todos a se verem livres da fome seja respeitado.
As comunidades locais têm direito ao desenvolvimento. O direito ao desenvolvimento é um direito individual e coletivo. Pertence a todos os indivíduos e a todos os povos. O direito ao desenvolvimento “é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos têm o direito de participar, contribuir e desfrutar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais podem ser plenamente realizados (Artigo 1 Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento). O direito ao desenvolvimento também deve ser cumprido de modo a atender equitativamente às necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e futuras (Princípio 3, Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento; Parágrafo 11, Declaração e Programa de Ação de Viena).A busca do crescimento econômico, como por meio do uso de mercúrio na mineração, sem medidas adequadas para promover o desenvolvimento inclusivo, equitativo, participativo e ambientalmente equilibrado é insustentável.
Os povos indígenas têm reconhecidos seus direitos sobre seus territórios tradicionais e de ter reparação pelas terras que foram tomadas e danificadas sem seu consentimento livre, prévio e informado. As comunidades indígenas da Bacia Amazônica não consentiram com a invasão ilegal de garimpeiros em seus territórios e está lutando contra a destruição causada pela mineração. O uso de mercúrio na mineração artesanal ou de pequena escala danifica e polui as terras indígenas sem reparação às comunidades afetadas. As práticas de mineração na Amazônia violam os direitos dos povos indígenas ao território.
Os povos indígenas têm direito à proteção da relação entre seus valores culturais e espirituais e seus territórios. Os povos indígenas têm o direito de proteger suas terras sagradas e de conservar plantas medicinais, animais e minerais. A mineração ilegal artesanal e em pequena escala de ouro está invadindo territórios indígenas na Bacia Amazônica. Quando o mercúrio é usado na mineração, ele destrói o ecossistema circundante. O mercúrio polui o solo e a água próximos aos locais de mineração, o que contamina as plantas. A contaminação de terras sagradas para as comunidades indígenas e das plantas medicinais e tradicionais usadas pelas comunidades indígenas viola os direitos culturais e espirituais dos povos indígenas.
O direito à uma moradia adequada, estabelecido no comentário geral nº 4 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais que , afirma que todas as pessoas gozam de proteção contra despejos forçados e garantia de um ambiente habitacional decente, entretanto, algumas comunidades indígenas e ribeirinhas sofrem constantemente com a construção de garimpo próximas de seus locais de moradia.
Garimpos abertos sem qualquer tipo de preocupação ambiental causam uma significativa contaminação do solo, não só o deixando infértil como também infectando a flora, a fauna do local e mudando sua estrutura geológica. Nesse sentido, as comunidades próximas são diretamente afetadas, não só pelo dano ao direito à moradia adequada, mas também no que se refere à água, alimentação e saúde antes tratados.
Conforme a Convenção 169 da OIT, o Estado brasileiro tem a responsabilidade de impor sanções penais contra toda intrusão não autorizada em terras indígenas, de modo que o direito à moradia seja integralmente respeitado segundo a cosmovisão desses povos.
O trabalhador tem o direito de exercer sua profissão em um local seguro, que garanta a sua proteção, mas o uso do mercúrio na mineração e em outros processos impede que esse direito seja respeitado.
O mercúrio é utilizado na separação de partículas finas de ouro através da amalgamação e posterior separação gravimétrica. O amálgama separado é queimado, geralmente a céu aberto, liberando grandes quantidades de mercúrio para a atmosfera, nesse procedimento é comum os trabalhadores inalarem a substância, o que causa danos seríssimos à saúde do indivíduo. Durante o processo, parte do mercúrio é perdida na forma metálica nos rios e solos, e outra, em forma de rejeitos contaminados, é deixada a céu aberto na maioria dos sítios de garimpo. Além do mais, na purificação do ouro, ele é sublimado a altas temperaturas o que resulta em séria contaminação do ambiente de trabalho e da atmosfera onde esta operação é feita, propiciando uma fácil contaminação dos trabalhadores e da população que vive ao redor. LACERDA, L.D. Contaminação por mercúrio no Brasil: fontes industriais vs. Garimpo de Ouro. Depto. Geoquímica – Universidade Federal Fluminense – 24020-007 – Niterói – RJ. 1996, 197.
A Convenção nº170 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), conhecida como Convenção sobre Produtos Químicos, determina que os países devem indicar os perigos da utilização dos produtos químicos a fim de garantir aos trabalhadores o direito à informação sobre os produtos que utilizam, medida para não somente proteger os trabalhadores contra os efeitos nocivos dos itens químicos, como proteger a sociedade e o meio ambiente.
Cabe aos Estados desenvolver órgãos de promoção e prevenção sanitária e de saúde aos trabalhadores, que visem não somente garantir os seus direitos, como também identificar precocemente as consequências da exposição aos produtos químicos, precisamente ao Mercúrio, que é considerado um dos metais mais tóxicos lançados no meio ambiente pela ação do homem. É obrigação estatal a fiscalização das leis e licenças ambientais que controlam o uso dessa substância, além da implementação de alternativas ao uso do mercúrio e ações governamentais, práticas essas que beneficiam a economia, o ecossistema, os trabalhadores e toda a sociedade.
Como vimos, todos os direitos elencados no Inventário acima são direitos humanos protegidos em tratados. Tratados são obrigações jurídicas assumidas por Estados que se comprometem internacionalmente em proteger os direitos de todas as pessoas que vivem nesse país. No Brasil, além de um compromisso internacional, os tratados, depois de aprovados pelo Congresso Nacional e ratificados pela Presidência da República, passam a fazer parte do conjunto das normas jurídicas nacionais, com uma posição superior à das leis ou até mesmo com uma posição igual a de uma emenda constitucional.
Assim, por ser uma obrigação jurídica, quando um Estado viola um direito humano constante de um tratado, pode ser responsabilizado internacionalmente, através do acionamento dos sistemas internacionais de proteção de direitos humanos.
Se o tratado for do sistema da Organização das Nações Unidas, o interessado pode dirigir-se a um dos órgãos criados em cada tratado de direitos humanos cujas informações podem ser acessadas clicando aqui. Se o direito violado constar da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, o interessado pode peticionar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos cujas informações estão disponíveis aqui.